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A responsabilidade subjetiva na multa administrativa ambiental simples e o STJ


Não é recente a discussão a respeito da natureza jurídica das sanções administrativas ambientais: para parte dos estudiosos essa responsabilidade seria objetiva, para outra parte seria subjetiva.

É sabido que a responsabilização objetiva prescinde da culpa, o que certamente facilita e amplia o âmbito de aplicação dessa responsabilidade, enquanto a responsabilização subjetiva demanda maior cautela e critério na apuração.

No que diz respeito às multas administrativas ambientais, seja na modalidade simples ou diária, essa discussão é ainda mais acirrada, uma vez que o impacto financeiro é direto e as importâncias envolvidas costumam ser bastante significativas.

No Decreto 6.514/2008, que regulamenta parte da Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes e das Infrações Administrativas Ambientais) e dispõe sobre as sanções e o processo administrativo ambiental, as multas podem chegar a até R$ 50 milhões[1]. Por outro lado, como a cada infração administrativa deve corresponder uma penalidade específica, não são poucas as vezes em que as multas são aplicadas cumulativamente[2].

Por ser o tribunal de maior relevância na discussão sobre a legislação infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça possui uma especial relevância na construção da jurisprudência nacional, apontando sempre as tendências que deverão ser acolhidas pelos juízos a quo.

No ano passado, a 2ª Turma dessa colenda corte decidiu no julgamento do REsp 1.401.500/PR que a responsabilidade administrativa em matéria ambiental é subjetiva. O ministro Herman Benjamin, relator do citado processo e inquestionavelmente um dos maiores estudiosos do Direito Ambiental no país, votou pelo provimento do recurso especial ao pugnar pela necessidade de comprovação de culpa, no que foi acompanhado pelos demais julgadores:

(...) 2. A insurgente opôs Embargos de Declaração com intuito de provocar a manifestação sobre o fato de que os presentes autos não tratam de responsabilidade ambiental civil, que seria objetiva, mas sim de responsabilidade ambiental administrativa, que exige a demonstração de culpa ante sua natureza subjetiva. Entretanto, não houve manifestação expressa quanto ao pedido da recorrente.

3. Cabe esclarecer que, no Direito brasileiro e de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, proprietário ou administrador da área degradada, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis.

4. Todavia, os presentes autos tratam de questão diversa, a saber a natureza da responsabilidade administrativa ambiental, bem como a demonstração de existência ou não de culpa, já que a controvérsia é referente ao cabimento ou não de multa administrativa.

5. Sendo assim, o STJ possui jurisprudência no sentido de que, "tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador" (AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 7.10.2015).

6. "Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano". (REsp 1.251.697/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17.4.2012). (...)

Sob o argumento de que a responsabilidade administrativa do poluidor seria objetiva e decorreria do risco gerado pela atividade, fazendo com que o poluidor indireto também pudesse ser responsabilizado, o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) impôs multa simples no valor de mais de R$ 12 milhões à Hexion Química Indústria e Comércio Ltda. em razão de um dano cometido por outra empresa com quem esta firmou contrato.

De fato, se o derramamento de metanol na Baía de Paranaguá foi causado pela Methanex Chile Ltda., não há sentido em responsabilizar a primeira empresa – ao menos nesse âmbito de competência, diga-se de passagem – de maneira que a sentença e o acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná mereceram sim ser reformados.

O interessante é que antes a jurisprudência em regra seguia o entendimento contrário, aplicando a tais situações o § 1º do art. 14 da Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), o qual dispunha sobre a modalidade civil de responsabilidade independentemente de culpa:

Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: (...)

§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

Realmente, em função do que dispõe a lei, a doutrina e a jurisprudência são unanimes no intuito de considerar objetiva a responsabilidade civil ambiental. Contudo, no que diz respeito à multa administrativa simples, a Lei 9.605/98 dispôs expressamente que a responsabilidade administrativa em matéria ambiental é subjetiva, haja vista a necessidade de comprovar a negligência ou dolo:

Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: I - advertência; II - multa simples; III - multa diária; IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; V - destruição ou inutilização do produto; VI - suspensão de venda e fabricação do produto; VII - embargo de obra ou atividade; VIII - demolição de obra; IX - suspensão parcial ou total de atividades; X – (VETADO); XI - restritiva de direitos. (...) § 3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo: I - advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do Sisnama ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha; II - opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do Sisnama ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.

Isso implica dizer que faltava lastro jurídico à aplicação pura e simples da responsabilidade objetiva às sanções administrativas ambientais de multa, pois a legislação era (e é) expressa quanto ao dolo e à negligência. Com efeito, tratava-se da aplicação de dispositivo de responsabilidade civil à responsabilidade administrativa ambiental com espeque em mera analogia e contrariando a literalidade do texto legal.

A decisão do REsp 1.401.500/PR é o marco da consolidação do entendimento jurisprudencial sobre o assunto em razão da importância e da repercussão do caso, bem como em razão do porte das empresas envolvidas, do valor da multa e da pessoa do ministro relator, que possui mestrado e doutorado, além de ser autor e organizador de diversos trabalhos na área de Direito Ambiental[3]. No entanto, é importante destacar que já havia na corte várias outras decisões nesse sentido, a exemplo do REsp 1.251.697/PR e do AgRg no AREsp 62.584/RJ, de forma que no (e a partir do) STJ existe um processo adiantado de consolidação da jurisprudência a esse respeito.

Esse entendimento parece acertado, uma vez que a responsabilidade ambiental pelo mesmo fato se dá, de forma simultânea e independente, nas esferas administrativa, cível e criminal, e a responsabilidade civil já é objetiva, com a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica e a responsabilização do poluidor indireto[4].

Destarte, a modalidade de responsabilização ampla e quase irrestrita nessa matéria é e sempre foi a civil apenas. Isso também exigirá dos órgãos ambientais um maior cuidado nos momentos de apurar a infração e de motivar a multa administrativa simples, sem prejuízo da aplicação de outras sanções como advertência, embargo ou suspensão.

Em vista disso, a tendência é mesmo que em alguns anos se consolide, no âmbito da Justiça comum e da Justiça Federal, a uniformização do entendimento de que a apuração da responsabilidade administrativa no caso da multa ambiental se dá pela modalidade subjetiva.

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[1] Art. 66. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, atividades, obras ou serviços utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, em desacordo com a licença obtida ou contrariando as normas legais e regulamentos pertinentes: Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). Parágrafo único. Incorre nas mesmas multas quem: I - constrói, reforma, amplia, instala ou faz funcionar estabelecimento, obra ou serviço sujeito a licenciamento ambiental localizado em unidade de conservação ou em sua zona de amortecimento, ou em áreas de proteção de mananciais legalmente estabelecidas, sem anuência do respectivo órgão gestor; e II - deixa de atender a condicionantes estabelecidas na licença ambiental.

[2] Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: (...) II - multa simples; (...) § 1º Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a elas cominadas.

[3] A propósito do papel do Ministro Herman Benjamin na construção da jurisprudência do Direito Ambiental pátrio, recomenda-se a leitura do seguinte artigo de Gabriel Wedy: https://www.conjur.com.br/2017-mar-25/ambiente-juridico-jurisprudencia-sustentavel-jurista-antonio-herman-benjamin.

[4] O § 3º do art. 225 da Constituição Federal determina que “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Já a Lei n. 9.605/98 estabelece o seguinte: “Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato. Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”. Por sua vez, o inciso IV do art. 3º da Lei n. 6.938/81 classifica como poluidor “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”.

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Talden Farias é advogado e professor da UFPB, mestre em Ciências Jurídicas (UFPB), doutor em Recursos Naturais (UFCG) e em Direito da Cidade (Uerj). Autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Minerário.

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